domingo, 30 de novembro de 2014

FLUENTES, NÃO PARTAM EM BANDA AS FRASES DOS BALBUCIANTES

FLUENTES, NÃO PARTAM EM BANDA AS FRASES DOS BALBUCIANTES

Josenilton kaj Madragoa

Psicolinguisticamente, cortar ou interromper o que o outro, iniciante ou mais iniciante, está dizendo, para corrigi-lo quanto a uma palavra ou regra, ou para completar o que ele ainda está tentando vagarosamente elocutar, é um mau hábito de quase todos os fluentes (especialmente aqui no mundo latino, com suas emocionalidades nervosas à flor da pele e da consciência). Isso intimida e cerceia o livre direito de expressão dos iniciantes, que também tendem a falar com a razão e com a emoção. É um crime linguístico-ecológico, para não dizer um crime de lesa-frase.
Especialmente quem flui menos, tende a se sentir intimidado diante de um codialogador mais fluente. Este deve ajudá-lo a fluir, simplesmente não o ajudando na frase em processo de parto. Aqui, ajudar é não ajudar! O exercício da calma e da paciência por parte do interlocutor já fluente é vital para que o parto das frases dos mais novos ocorra sem suor, sem pressa e sem pressão. [Ainda que possa ter sido apenas um fake internético, continua exemplar aquele tipo de diálogo entre membros de uma tribo de índios estadunidenses, em que, após cada um dizer uma frase, havia um longo silêncio, para que todos do grupo meditassem sobre o que foi ouvido, para, só depois..., alguém outro dizer uma frase a respeito... Esta então era sucedida por outro loooooongo silêncio..., de modo que o silêncio se fazia ouvir mais do que as frases em si.]
Ademais, quem é mais fluente, vive errando também, em quase toda frase, principalmente nos ambientes dialógicos informais. Só que, como ele já é fluente na segunda língua, e, por consequência, também erra fluentemente, ele é tido como o bambambam do pedaço, o rei da cocada preta, o "melhorzinho" da boca (☺), e, por isso, se arvora no direito de ser revisor instantâneo de expressões daqueles que ainda estão engatinhando na fala e ainda estão gerando suas frases reticentemente. Em terra de errantes frasais e não fluentes, quem flui, mesmo errantemente, é rei.
Muitos iniciantes tornam-se tímidos, por serem intimidados com o protecionismo involuntário dos que sabem mais. Se estes tivessem mais simancol e não cerceassem na fonte, ou seja, no ato da emissão frasal, a palavra dos ainda inseguros, o Esperanto seria muito mais conhecido da sociedade, como uma língua verdadeiramente viva, democrática e igualitária.
A interrupção da frase por outrem, à guisa de conserto ou completamento correto, pode ser considerada senão um crime, mas uma contravenção, ainda que involuntária e na melhor das intenções. Ao invés de um interdito adjutório, está se praticando mesmo é um interdito inibitório, quando não proibitório, da liberdade de expressão ou de expressionamento. Vamos piorar a comparação (se necessário, tire as crianças da sala): de propósito, ou não, está se praticando uma tentativa de aborto proposicional. E este só não se perpetrará, gerando um natimorto frasal, se o gerador da frase tiver atitude ou presença de espírito, para interromper o interrompedor a tempo e pedir-lhe tempo, para terminar, ele mesmo, de concluir a gestação da sua frase. Poderá até nascer uma frase com defeito parcial, mas será uma frase viva, com uma alma, que será a ideia espelhada por ela. Não deve sofrer nenhuma espécie de preconceito. Merece apoio, respeito, aplauso e também, por que não?, um presente, ainda que em alguns casos, de preferência, em forma de um livrinho de minicurso ou até mesmo aquele famoso folhetim “A Chave do Esperanto”. [“Donacetoj subtenas amikecon”.]

Errar é humano, especialmente num diálogo informal. Na oralidade o que mais importa é que o resultado final da frase elocutada seja suficientemente compreensível, para que o ouvinte emita seu parecer-resposta, não sobre a frase em sua estrutura formal, mas sobre o que ela disse ou espelhou de fato. Se a frase ouvida não ficou clara, que o interlocutor apenas diga que não entendeu direito, ou então peça para o emissor dizer de novo ou com outras palavras. Apenas isso.
De mais a mais, o que importa é comunicar conteúdos, não formas frasais. Estas são roupagens que vão se aperfeiçoando com o procezo do tempo, sedimentando-se naturalmente com o procedo de leituras e estudos sistematizados, seja em sala de aula, seja em rodas de diálogos dirigidos, seja à luz de velas, na solidão das madrugadas.

Ademais, é bom deixar registrado em ata, também, que, na quase totalidade das vezes, não existe frase errada. Ninguém erra ou fala errado uma frase. Erra-se em parte, ou numa parte da sintaxe ou numa parte das palavras ou apenas numa parte da estrutura morfêmica ou sintagmática de uma palavra. Em português costuma-se dizer "ele errou a frase". Em Esperanto, mais acertadamente, diz-se "li eraris en la frazo" (ele cometeu um erro dentro da frase). [Por isso há pouco tempo houve uma tendência que tentou se firmar entre os revisores de provas do ENEM (exame brasileiro do ensino médio), de não anular provas de quem cometeu até mesmo um erro em cada frase, por considerar como objetivamente corretas as demais partes de cada frase do texto. Defendeu-se, para justificar, que as pedradas não foram lançadas por todas as frases, mas, sim, por uma parte de cada uma delas. Bem, essa tendência já foi revista.]
No caso de um diálogo informal, o que vale é comunicar, ou seja, fazer com que o outro entenda o que se está dizendo, ainda que com 'frasemas', morfemas ou sintagmas equivocados. Porém, se o todo da frase conseguiu retratar o que se imaginou, "já foi"!

Quanto mais tempo, contudo, se tiver para imaginar precisamente o que se quer dizer, e, no caso do iniciante, quanto mais tempo se tiver para montar a frase mentalmente, mais chance haverá desta sair boca afora com mais precisão de sentido, ainda que com pedradinhas aqui e ali.

Se uma pedrada gramatical lançada tiver sido perigosamente lesiva à norma padrão ou à norma culta, configurando um crime hediondo de lesa-gramática, aí, e só aí, deve o interlocutor, habilmente, com sutileza, oferecer uma proposta de correção. Porém, isso deve ser feito depois, não cortando a frase do outro, ainda em processo de elocução. O que flagrou o crime deve esperar sua vez de falar, para tentar fazer a denúncia ou acusação reparativa do tal delito. Quando ele estiver falando, não sobre a forma do que ouviu, mas, sim, sobre o conteúdo do que ouviu, pode repetir a imagem ou a ideia mal verbalizada ou mal expressada, só que agora de forma correta ou aproximada da norma padrão ou da norma culta. Poderá também oferecer formas alternativas mais simples ou mais claras, mais próximas do Esperanto puro, que é basicamente simples e direto. [Esperanto puro, do qual somos adeptos, ainda que não seguidores fieis por enquanto, é o estilo da gramática básica e do vocabulário mais simples e mais tradicional do próprio Esperanto, com exploração de formas de dizer a partir do seu próprio estoque intrínseco de regras, morfemas e raízes próprias.] Enfim, esse conserto indireto e totalmente posterior à frase com erro será uma contribuição, que o outro, se entender a correção subliminar, poderá aproveitar, ou não.
Essa cautela ou discrição na ação corretiva vale inclusive para aquele que seja didata ou instrutor, estando em serviço ou “à paisana”. Diálogo é diálogo, não é aula. É e deve ser um momento democrático, extradidático, livre, onde cada um se sinta à vontade para externar suas frases, nasçam estas como nascerem, sem receio e sem cerceio. Assim, os partos frasais tendem a ocorrer o mais espontâneos possível, sem assistência a fórceps de alto risco de abortividade. Portanto, essa calma e paciência são didáticas ou instrutivas num diálogo, seja formal, seja informal, seja numa roda de conversação, seja onde for. Não apartear abrupta e interruptivamente a frase alheia em fase de nascimento contribui muito para o aprendizado e fluência do iniciante. Com essa sensação de liberdade de expressão, o novato vai se sentindo cada vez mais seguro em seu engatinhamento, até aprender a andar, para o que contribua apenas a andadeira dos livros e do estudo progressivo nas horas ou nas aulas próprias.

A IMPORTÂNCIA DA NÃO INTERRUPÇÃO CORRETIVA DE FRASES NO DIÁLOGO COM COMPASSO BINÁRIO

As qualidades emocionais (calma e paciência) têm valia dobrada quando da “formalização” de eventuais diálogos informais binarizados, a dois ou numa roda de conversação. Neste caso, os dialogadores combinam exercitar o compasso binário (por nós proposto em artigo anterior), em que cada um precisará dobrar o seu tempo, para emitir uma frase. Afinal, ele precisará primeiro construir uma imagem mental, que vai servir de mote, para a emissão mais espontânea da frase correlata ou frase espelho do que foi imaginado. E se se tratarem de dialogadores que ainda estejam engatinhando no próprio domínio da gramática ou das palavras, então essas qualidades têm valia triplicada. Neste caso, será necessário, também, um tempo extra para que cada novato intermedeie ou ternarize o processo binário, com a construção ou mentalização de cada frase nascitura. Para tais iniciantes, como já dissemos, o processo é de compasso ternário (imaginação, construção da frase nascitura na mente e gestação oral da frase), o que postula mais tempo de operação processual e mais certeza de que não será interrompido pelo outro no meio de suas frases, por mais reticentes que sejam.


Portanto, o fluente deve evitar o monopólio do tempo dialogal. A ideia primeira é que um fale uma frase por inteiro e o outro, em seguida, e de preferência em seguida a um breve silêncio, fale a sua, numa alternância de frases, não de parágrafos longos. Quando se tratar de um diálogo em que um dos participantes ainda não tenha a fluência binária intrassubjetiva proposta como treinamento paradidático, pode-se acrescer um intervalo de tempo silencioso mais longo entre cada frase do mais fluente e cada próxima frase do menos fluente. Assim, este terá mais tempo para construir suas imagens mentais, elaborar mentalmente suas concernentes frases e por fim soltá-las, psicoconfortavelmente, sem estresse.

Enfim, acreditamos que essas recomendações serão mais e mais necessárias nos próximos anos, com as alterações psíquicas mais intensas e agitadoras resultantes dos cada vez mais frequentes barrufos e sacudidelas vibracionais das tempestades heliomagnéticas sobre toda a Terra, ainda que imperceptíveis sensorialmente. E estas terão repercussão não só nas atividades cerebrais, mas também nos fluxos de raciocínio, na memória, na atenção e na concentração de todos nós, de formas parcialmente favoráveis ou desfavoráveis. Como não temos, contudo, evidências cabais para sustentar essa tese, não podemos avançar nesse ponto, pelo menos por ora. Na dúvida, entretanto, seria de bom tom ativarmos mais os nossos genes de pensamento com ideias firmes e luminosas, desde já, a fim de irrigarmos nosso solo cerebral e nosso corpo com fluxos de neuropeptídios benfazejos e saudáveis. Isso repercutirá sobremaneira na fluência linguística e no maior domínio gramatical e lexical do Esperanto, independentemente de qualquer coisa lá na frente.




5 comentários:

Anônimo disse...

Excelente!!! e sutil...
Era esse o artigo de que mais precisávamos. Viva a liberdade de expressão para os ainda não-fluentes!
Também não gosto de ser interrompido durante minhas palestras, por quem "só deseja colaborar" tomando a palavra para me corrigir ou me complementar. É contraproducente e quebra a sequência da exposição. Faço minhas as suas palavras, Josenilton-Mandragoa.

jairoad disse...

Mais um excelênte artigo! Parabéns! Esse é um senhor puxão de orelha que tenho que acatar para que as pessoas com menos prática com o Esperanto possam errar mas possam ter a liberdade de usar. Errem! Errem mas usem o Eo! Errem mas errem em Espernto! Melhor ter amigos que tentem falar que pessoas que fiquem caladas e acabem errando em outros idiomas.

gvcasper!@gmail.com disse...

muito bom. Cansei de ir a congressos e encontros regionais de Esperanto, ter uma vontade enorme de participar com perguntas e opiniões nos debates e ficar inibido por incertezas quanto à correção das frases em Esperanto. Acho que em todo congresso deveria haver um veterano esperantista para auxiliar a formular questões escritas ou orais.
Mas isto iria tirar parte da exclusividade dos veteranos, sempre os mesmos.....

Anônimo disse...

Ô Gastão!
Herrar é umano!
Mas, se você quiser, pode ir redigindo as frases que pretende utilizar e ir enviando para mim, para revisão prévia. Acho que seria bastante proveitoso.
Você, e qualquer samideano que se dedique seriamente, há de se tornar mais um veterano, para acabar de vez com o mito da exclusividade de sempre os mesmos...
celiofreitasmartins@gmail.com

Unknown disse...

Josenilton meus parabéns pelo artigo, e espero que ele atinja um grande numero de samideanoj, principalmente os expertos, seja qual for a área e que possam assimilar e utilizar estas sábias observações.
Um abração

Osvaldo Ponte