Josenilton kaj Madragoa
Psicolinguisticamente, cortar ou interromper o que o outro,
iniciante ou mais iniciante, está dizendo, para corrigi-lo quanto a uma palavra
ou regra, ou para completar o que ele ainda está tentando vagarosamente
elocutar, é um mau hábito de quase todos os fluentes (especialmente aqui no
mundo latino, com suas emocionalidades nervosas à flor da pele e da
consciência). Isso intimida e cerceia o livre direito de expressão dos
iniciantes, que também tendem a falar com a razão e com a emoção. É um crime
linguístico-ecológico, para não dizer um crime de lesa-frase.
Especialmente quem flui menos, tende a se sentir intimidado
diante de um codialogador mais fluente. Este deve ajudá-lo a fluir,
simplesmente não o ajudando na frase em processo de parto. Aqui, ajudar é não
ajudar! O exercício da calma e da paciência por parte do interlocutor já
fluente é vital para que o parto das frases dos mais novos ocorra sem suor, sem
pressa e sem pressão. [Ainda que
possa ter sido apenas um fake internético, continua exemplar aquele tipo
de diálogo entre membros de uma tribo de índios estadunidenses, em que, após
cada um dizer uma frase, havia um longo silêncio, para que todos do grupo
meditassem sobre o que foi ouvido, para, só depois..., alguém outro dizer uma
frase a respeito... Esta então era sucedida por outro loooooongo silêncio...,
de modo que o silêncio se fazia ouvir mais do que as frases em si.]
Ademais, quem é mais fluente, vive errando também, em quase
toda frase, principalmente nos ambientes dialógicos informais. Só que, como ele
já é fluente na segunda língua, e, por consequência, também erra fluentemente,
ele é tido como o bambambam do pedaço, o rei da cocada preta, o "melhorzinho"
da boca (☺), e, por isso, se arvora no direito de ser revisor instantâneo de
expressões daqueles que ainda estão engatinhando na fala e ainda estão gerando
suas frases reticentemente. Em terra de errantes frasais e não fluentes, quem
flui, mesmo errantemente, é rei.
Muitos iniciantes tornam-se tímidos, por serem intimidados
com o protecionismo involuntário dos que sabem mais. Se estes tivessem mais
simancol e não cerceassem na fonte, ou seja, no ato da emissão frasal, a
palavra dos ainda inseguros, o Esperanto seria muito mais conhecido da
sociedade, como uma língua verdadeiramente viva, democrática e igualitária.
A interrupção da frase por outrem, à guisa de conserto ou
completamento correto, pode ser considerada senão um crime, mas uma contravenção,
ainda que involuntária e na melhor das intenções. Ao invés de um interdito
adjutório, está se praticando mesmo é um interdito inibitório, quando não
proibitório, da liberdade de expressão ou de expressionamento. Vamos piorar a
comparação (se necessário, tire as crianças da sala): de propósito, ou não,
está se praticando uma tentativa de aborto proposicional. E este só não se
perpetrará, gerando um natimorto frasal, se o gerador da frase tiver atitude ou
presença de espírito, para interromper o interrompedor a tempo e pedir-lhe
tempo, para terminar, ele mesmo, de concluir a gestação da sua frase. Poderá
até nascer uma frase com defeito parcial, mas será uma frase viva, com uma
alma, que será a ideia espelhada por ela. Não deve sofrer nenhuma espécie de
preconceito. Merece apoio, respeito, aplauso e também, por que não?, um
presente, ainda que em alguns casos, de preferência, em forma de um livrinho de
minicurso ou até mesmo aquele famoso folhetim “A Chave do Esperanto”. [“Donacetoj subtenas amikecon”.]
Errar é humano, especialmente num diálogo informal. Na
oralidade o que mais importa é que o resultado final da frase elocutada seja
suficientemente compreensível, para que o ouvinte emita seu parecer-resposta,
não sobre a frase em sua estrutura formal, mas sobre o que ela disse ou
espelhou de fato. Se a frase ouvida não ficou clara, que o interlocutor apenas
diga que não entendeu direito, ou então peça para o emissor dizer de novo ou
com outras palavras. Apenas isso.
De mais a mais, o que importa é comunicar conteúdos, não
formas frasais. Estas são roupagens que vão se aperfeiçoando com o procezo do
tempo, sedimentando-se naturalmente com o procedo de leituras e estudos
sistematizados, seja em sala de aula, seja em rodas de diálogos dirigidos, seja
à luz de velas, na solidão das madrugadas.
Ademais, é bom deixar registrado em ata, também, que, na
quase totalidade das vezes, não existe frase errada. Ninguém erra ou fala
errado uma frase. Erra-se em parte, ou numa parte da sintaxe ou numa parte das
palavras ou apenas numa parte da estrutura morfêmica ou sintagmática de uma
palavra. Em português costuma-se dizer "ele errou a frase". Em
Esperanto, mais acertadamente, diz-se "li eraris en la frazo"
(ele cometeu um erro dentro da frase). [Por
isso há pouco tempo houve uma tendência que tentou se firmar entre os revisores
de provas do ENEM (exame brasileiro do ensino médio), de não anular provas de
quem cometeu até mesmo um erro em cada frase, por considerar como objetivamente
corretas as demais partes de cada frase do texto. Defendeu-se, para justificar,
que as pedradas não foram lançadas por todas as frases, mas, sim, por uma parte
de cada uma delas. Bem, essa tendência já foi revista.]
No caso de um diálogo informal, o que vale é comunicar, ou
seja, fazer com que o outro entenda o que se está dizendo, ainda que com
'frasemas', morfemas ou sintagmas equivocados. Porém, se o todo da frase
conseguiu retratar o que se imaginou, "já foi"!
Quanto mais tempo, contudo, se tiver para imaginar
precisamente o que se quer dizer, e, no caso do iniciante, quanto mais tempo se
tiver para montar a frase mentalmente, mais chance haverá desta sair boca afora
com mais precisão de sentido, ainda que com pedradinhas aqui e ali.
Se uma pedrada gramatical lançada tiver sido perigosamente
lesiva à norma padrão ou à norma culta, configurando um crime hediondo de
lesa-gramática, aí, e só aí, deve o interlocutor, habilmente, com sutileza,
oferecer uma proposta de correção. Porém, isso deve ser feito depois, não
cortando a frase do outro, ainda em processo de elocução. O que flagrou o crime
deve esperar sua vez de falar, para tentar fazer a denúncia ou acusação
reparativa do tal delito. Quando ele estiver falando, não sobre a forma do que
ouviu, mas, sim, sobre o conteúdo do que ouviu, pode repetir a imagem ou a
ideia mal verbalizada ou mal expressada, só que agora de forma correta ou
aproximada da norma padrão ou da norma culta. Poderá também oferecer formas
alternativas mais simples ou mais claras, mais próximas do Esperanto puro, que
é basicamente simples e direto. [Esperanto
puro, do qual somos adeptos, ainda que não seguidores fieis por enquanto, é o
estilo da gramática básica e do vocabulário mais simples e mais tradicional do
próprio Esperanto, com exploração de formas de dizer a partir do seu próprio
estoque intrínseco de regras, morfemas e raízes próprias.] Enfim, esse conserto
indireto e totalmente posterior à frase com erro será uma contribuição, que o
outro, se entender a correção subliminar, poderá aproveitar, ou não.
Essa cautela ou discrição na ação corretiva vale inclusive
para aquele que seja didata ou instrutor, estando em serviço ou “à paisana”.
Diálogo é diálogo, não é aula. É e deve ser um momento democrático,
extradidático, livre, onde cada um se sinta à vontade para externar suas
frases, nasçam estas como nascerem, sem receio e sem cerceio. Assim, os partos
frasais tendem a ocorrer o mais espontâneos possível, sem assistência a fórceps
de alto risco de abortividade. Portanto, essa calma e paciência são didáticas
ou instrutivas num diálogo, seja formal, seja informal, seja numa roda de
conversação, seja onde for. Não apartear abrupta e interruptivamente a frase
alheia em fase de nascimento contribui muito para o aprendizado e fluência do
iniciante. Com essa sensação de liberdade de expressão, o novato vai se
sentindo cada vez mais seguro em seu engatinhamento, até aprender a andar, para
o que contribua apenas a andadeira dos livros e do estudo progressivo nas horas
ou nas aulas próprias.
A IMPORTÂNCIA DA NÃO INTERRUPÇÃO CORRETIVA DE FRASES NO
DIÁLOGO COM COMPASSO BINÁRIO
As qualidades emocionais (calma e paciência) têm valia
dobrada quando da “formalização” de eventuais diálogos informais binarizados, a
dois ou numa roda de conversação. Neste caso, os dialogadores combinam
exercitar o compasso binário (por nós proposto em artigo anterior), em que cada
um precisará dobrar o seu tempo, para emitir uma frase. Afinal, ele precisará
primeiro construir uma imagem mental, que vai servir de mote, para a emissão
mais espontânea da frase correlata ou frase espelho do que foi imaginado. E se
se tratarem de dialogadores que ainda estejam engatinhando no próprio domínio
da gramática ou das palavras, então essas qualidades têm valia triplicada.
Neste caso, será necessário, também, um tempo extra para que cada novato
intermedeie ou ternarize o processo binário, com a construção ou mentalização
de cada frase nascitura. Para tais iniciantes, como já dissemos, o processo é
de compasso ternário (imaginação, construção da frase nascitura na mente e
gestação oral da frase), o que postula mais tempo de operação processual e mais
certeza de que não será interrompido pelo outro no meio de suas frases, por
mais reticentes que sejam.
Portanto, o fluente deve evitar o monopólio do tempo
dialogal. A ideia primeira é que um fale uma frase por inteiro e o outro, em
seguida, e de preferência em seguida a um breve silêncio, fale a sua, numa
alternância de frases, não de parágrafos longos. Quando se tratar de um diálogo
em que um dos participantes ainda não tenha a fluência binária intrassubjetiva
proposta como treinamento paradidático, pode-se acrescer um intervalo de tempo
silencioso mais longo entre cada frase do mais fluente e cada próxima frase do
menos fluente. Assim, este terá mais tempo para construir suas imagens mentais,
elaborar mentalmente suas concernentes frases e por fim soltá-las,
psicoconfortavelmente, sem estresse.
Enfim, acreditamos que essas recomendações serão mais e
mais necessárias nos próximos anos, com as alterações psíquicas mais intensas e
agitadoras resultantes dos cada vez mais frequentes barrufos e sacudidelas
vibracionais das tempestades heliomagnéticas sobre toda a Terra, ainda que
imperceptíveis sensorialmente. E estas terão repercussão não só nas atividades
cerebrais, mas também nos fluxos de raciocínio, na memória, na atenção e na
concentração de todos nós, de formas parcialmente favoráveis ou desfavoráveis.
Como não temos, contudo, evidências cabais para sustentar essa tese, não
podemos avançar nesse ponto, pelo menos por ora. Na dúvida, entretanto, seria
de bom tom ativarmos mais os nossos genes de pensamento com ideias firmes e
luminosas, desde já, a fim de irrigarmos nosso solo cerebral e nosso corpo com
fluxos de neuropeptídios benfazejos e saudáveis. Isso repercutirá sobremaneira
na fluência linguística e no maior domínio gramatical e lexical do Esperanto,
independentemente de qualquer coisa lá na frente.
5 comentários:
Excelente!!! e sutil...
Era esse o artigo de que mais precisávamos. Viva a liberdade de expressão para os ainda não-fluentes!
Também não gosto de ser interrompido durante minhas palestras, por quem "só deseja colaborar" tomando a palavra para me corrigir ou me complementar. É contraproducente e quebra a sequência da exposição. Faço minhas as suas palavras, Josenilton-Mandragoa.
Mais um excelênte artigo! Parabéns! Esse é um senhor puxão de orelha que tenho que acatar para que as pessoas com menos prática com o Esperanto possam errar mas possam ter a liberdade de usar. Errem! Errem mas usem o Eo! Errem mas errem em Espernto! Melhor ter amigos que tentem falar que pessoas que fiquem caladas e acabem errando em outros idiomas.
muito bom. Cansei de ir a congressos e encontros regionais de Esperanto, ter uma vontade enorme de participar com perguntas e opiniões nos debates e ficar inibido por incertezas quanto à correção das frases em Esperanto. Acho que em todo congresso deveria haver um veterano esperantista para auxiliar a formular questões escritas ou orais.
Mas isto iria tirar parte da exclusividade dos veteranos, sempre os mesmos.....
Ô Gastão!
Herrar é umano!
Mas, se você quiser, pode ir redigindo as frases que pretende utilizar e ir enviando para mim, para revisão prévia. Acho que seria bastante proveitoso.
Você, e qualquer samideano que se dedique seriamente, há de se tornar mais um veterano, para acabar de vez com o mito da exclusividade de sempre os mesmos...
celiofreitasmartins@gmail.com
Josenilton meus parabéns pelo artigo, e espero que ele atinja um grande numero de samideanoj, principalmente os expertos, seja qual for a área e que possam assimilar e utilizar estas sábias observações.
Um abração
Osvaldo Ponte
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